[CamaraDas] Pais de Filhotes - MUITO BOM TEXTO!

  • From: Ronaldo Santiago <ronaldodegilda@xxxxxxxxx>
  • To: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • Date: Mon, 1 Jun 2009 17:27:38 -0300

Ótimo texto, pessoal,

Boa leitura,

Saint James

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*PAIS DE FILHOTES*



Outro dia li a afirmação de alguém que me fez pensar. Dizia que os pais da
nossa época não querem ter filhos, mas sim filhotes. De fato há algo de
muito sábio nessa afirmação. E não é a toa que o Papa Bento XVI, ainda
quando cardeal, em uma entrevista cedida a um jornalista alemão, disse com
ar de pesar que enxergava, infelizmente, uma mudança radical na visão que o
mundo tinha dos descendentes. Filho, passara de sinônimo de bênção para
sinônimo de ameaça. Impossível discordar. Está em nossa volta, está na
reação das pessoas, no olhar apavorado diante da hipótese de se ter algum
filho nesta vida. Filho no singular, porque no plural, a reação passa de
medo para um ar reacionário de quem julga irresponsabilidade ter vários
filhos nos dias atuais.



A sociedade do bem-estar parece que colocou como valor supremo, digno de
menção no Código dos Direitos Humanos, a expressão “qualidade de vida” como
sublime direito e dever magno de todas as sociedades. Digo magno, porque se
atreve a ocupar o lugar do “logos”, da razão fundamental pelas quais as
sociedades ditas democráticas devem estar calcadas. Por isso, a partir dessa
mentalidade, qualquer evento que se oponha a esse valor supremo deve ser
eliminado.



 Um idoso que sofre com problemas degenerativos se encaixa nos padrões de
uma vida de qualidade? Não? Pode desligar os aparelhos.



 Um bebê que é gerado no seio de uma família modesta terá a oportunidade de
calçar Nike, estudar em colégio particular e gozar de conforto desde a mais
tenra idade? Não? Pode abortar.



 Um casal pobre que passa por dificuldades financeiras poderá dar a
possíveis filhos uma faculdade, plano de previdência privada, lazer e
cultura? Não? Pode laquear as trompas uterinas.



 Graças ao pragmatismo vigente, que faz o mundo enxergar tudo sobre a
relação útil/inútil, serve/não serve, presta/não presta, graças a essa
sublimação do bem estar social, não poderemos encontrar sentido para essas
vidas se estas não se encaixarem dentro deste ideal materialista.



 Mais do que nunca a vida humana foi agregada ao valor da coisa e não demora
para que seja tratada e vista como objeto. Quer dizer, o sentido da vida em
nosso tempo foi relativizado aos dogmas da sociedade de consumo.



 É por isso que o hedonismo, a busca do prazer como fim último, tão
enraizado em nossa cultura, não tolera a presença de um tirano, como um
filho. Dentro desta visão aonde filho é ameaça, ótica essencialmente cética
e pessimista, no melhor estilo de Nietsch, a paternidade é realçada apenas
pela característica que fere justamente o bem-estar e o conforto, seguindo a
contra-mão de uma verdadeira “qualidade de vida”.



 Eles, os filhos, chegam para atrapalhar a carreira, fazendo os pais
voltarem para casa antes das 21h, para onerar a família e diminuir a renda
no fim do mês, impedindo a troca de carro para aquele ano, para adiar os
planos daquela viagem para a Europa, etc.



 É verdade que exigem bem mais cuidados que um animal de estimação. Um
animal precisa de um banho por semana, os filhos precisam de um por dia. Um
animal precisa de uma tigela com ração, filhos precisam de pelo menos 3
refeições diárias. Um animal precisa de passeios eventuais, filhos precisam
sair de casa todos os dias. Um animal agüenta passar o dia sozinho, filhos
precisam de afeto. Realmente, é muito mais difícil. Mas não tem problema.
Pagando uma escola integral acaba o problema das refeições. Pagando um
motorista acaba o problema com os passeios. Pagando uma babá acaba o
problema com os banhos e com a companhia. E também com alguns mimos extras
acaba o afeto perdido. Pronto. Até que é possível.



 “Mas como gastam esses filhos! Realmente é melhor não tê-los.”



 Não seria melhor dizer “Como gastam esses pais?”. Não seria melhor afirmar
que a lei do menor esforço é que tem o preço mais alto de todos, e que esses
gastos são para preservar a qualidade de vida dos pais a qualquer preço? E
que o que se busca realmente é uma fuga das responsabilidades inerentes a
paternidade, que exigem uma renúncia ao egoísmo e um abertura para a
humanidade dos filhos, bem diferentes dos filhotes? E que uma verdadeira
educação baseada no amor, na liberdade responsável, no ensino das virtudes
da personalidade e de caráter exige pais dispostos a levantarem dos sofás, a
renunciarem a balada pós-trabalho e a uma presença exigente?



 Sem dúvida seria mais sincero e bem menos hipócrita.



 Não, filhos não são filhotes da quais se possam dispor como objeto de
serviço e mero entretenimento. Filhos são uma nova oportunidade dessa
família dar certo; uma nova chance de fazer a vida valer a pena e ter
sentido; uma nova chance para a humanidade chegar a ser aquilo que deveria.



 Cada novo filho neste mundo é uma nova realidade completamente original,
que jamais existiu e que jamais existirá novamente, capaz de mudar a si
mesmo e o mundo ao seu redor. Cada novo filho no mundo é uma nova chance de
redimirmos nossa sociedade corrompida pelo egoísmo.



 É por isso que não existem razões para se acovardar diante dos filhos, pelo
contrário, a abertura a eles deve nos recobrar a coragem e a fortaleza de
sermos definitivamente humanos novamente. Porque dar um filho amado ao mundo
é passar o bastão da vida que recebemos de nossos pais e dizer bem alto que
a vida ainda vale a pena. Dar ainda, vários filhos amados ao mundo, de
acordo com nossas sinceras possibilidades, é multiplicar a força criativa
que caduca nas nossas sociedades, é injetar bolsas de sangue no organismo
sedento do nosso mundo.



 Negar a verdadeira paternidade é negar a si mesmo e decretar a falência da
humanidade, é dizer que o desespero venceu e que a esperança morreu.



 Um ótimo professor pode dar ao mundo, se tiver sorte, talvez 1 bom cidadão
a cada classe com 50. Um ótimo pai e mãe, podem certamente, se assim
desejarem, dar ao mundo 3, 5, 7 ótimos cidadãos capazes de transformar o
mundo e o futuro. E que vão dizer aos filhos deles, que vovô e vovó fizeram
o mundo valer a pena.



Silvio L. Medeiros
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