[CamaraDas] Feliz 2010!

  • From: Niquele <niquele@xxxxxxxxx>
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  • Date: Thu, 31 Dec 2009 10:37:40 -0200

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Feliz ano novo

Frei Betto

O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho, aquilo
que já não contribui para tornar a felicidade direito de todos

POR QUE DESEJAR feliz ano novo se há tanta infelicidade à nossa volta?
Será feliz o próximo ano para afegãos, iraquianos e para os soldados
americanos sob ordens de um presidente que qualifica de "justas"
guerras de ocupações genocidas? Serão felizes as crianças africanas
reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome?
Seremos todos felizes, conscientes dos fracassos de Copenhague, que
salvam a lucratividade e comprometem a sustentabilidade?

O que é felicidade? Aristóteles assinalou: é o bem maior a que todos
almejamos. E alertou meu confrade Tomás de Aquino: mesmo ao
praticarmos o mal. De Hitler a madre Teresa de Calcutá, todos buscam,
em tudo o que fazem, a própria felicidade.
A diferença reside na equação egoísmo/altruísmo. Hitler pensava em
suas hediondas ambições de poder. Madre Teresa, na felicidade daqueles
que Frantz Fanon denominou "condenados da Terra".

A felicidade, o bem mais ambicionado, não figura nas ofertas do
mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade
empenha-se em nos convencer de que ela resulta da soma dos prazeres.
Para Roland Barthes, o prazer é "a grande aventura do desejo".
Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de
consumo. Vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste
condomínio de luxo, reza a publicidade, nos fará felizes.

Desejar feliz ano novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que
também faça os outros felizes? O pecuarista que não banca assistência
médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários
para o seu rebanho espera que o próximo tenha também um feliz ano
novo?
Na contramão do consumismo, Jung dava razão a são João da Cruz: o
desejo busca, sim, a felicidade, "a vida em plenitude" manifestada por
Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo
mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens
infinitos.

A arte da verdadeira felicidade consiste em canalizar o desejo para
dentro de si e, a partir da subjetividade impregnada de valores,
imprimir sentido à existência. Assim, consegue-se ser feliz mesmo
quando há sofrimento. Trata-se de uma aventura espiritual. Ser capaz
de garimpar as várias camadas que encobrem o nosso ego.
Porém, ao mergulharmos nas obscuras sendas da vida interior, guiados
pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em
especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem
amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com quem nos
é generoso; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade.

Se logramos mergulhar mais fundo, além da razão egótica e dos
sentimentos possessivos, então nos aproximamos da fonte da felicidade,
escondida atrás do ego. Ao percorrer as veredas abissais que nos
conduzem a ela, os momentos de alegria se consubstanciam em estado de
espírito. Como no amor.
Feliz ano novo é, portanto, um voto de emulação espiritual. É claro
que muitas outras conquistas podem nos dar prazer e a alegre sensação
de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor
seria um mundo sem miséria, sem desigualdade, sem degradação
ambiental, sem políticos corruptos!
Essa infeliz realidade que nos circunda, e da qual somos responsáveis,
por opção ou por omissão, se constitui num gritante apelo para nos
engajarmos na busca de "um outro mundo possível". Contudo, ainda não
será o feliz ano novo.

O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E
velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um
direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório, há que se
superar o modelo produtivista-consumista e introduzir, no lugar do
PIB, a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada numa economia
solidária.
Se o novo se faz advento em nossa vida espiritual, então, com certeza,
teremos, sem milagres ou mágicas, um feliz ano novo, ainda que o mundo
prossiga conflitivo; a crueldade, travestida de doces princípios; o
ódio, disfarçado de discurso amoroso.

A diferença é que estaremos conscientes de que, para ter um feliz ano
novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar-se de
si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias
melhores.

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, 65, frade dominicano, é
assessor de movimentos sociais e escritor, autor de "Calendário do
Poder" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da
Presidência da República (2003-2004).

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Niquele
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