[CamaraDas] Artigo: Vladimir Safatle

  • From: Niquele <niquele@xxxxxxxxx>
  • To: CamaraDas <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Tue, 11 Feb 2014 19:50:02 -0200

A barbárie de sempre

A esta altura, todos conhecem a história do rapaz negro amarrado nu em um
poste e espancado por populares no Rio de Janeiro por pretensamente ser um
assaltante e ter supostamente roubado uma bicicleta. Todos devem conhecer
também o teor dos comentários de certos apresentadores do noticiário
televisivo que resolveram surfar na onda da mais nova modalidade de
"indignação popular contra a insegurança e a ausência de mão forte do poder
público".

Mas, ainda mais surpreendente do que os dois acontecimentos, é o teor da
reação monitorada na internet, em sua ampla maioria favorável ao velho
"justiça feita com as próprias mãos" ou ao "chegou o momento da revolta do
homem comum".

Quem já estudou a ascensão do regime nazista sabe como esse era o tema
central de sua retórica política: "os homens comuns e cidadãos de bem estão
cansados da insegurança. Está na hora de atitudes enérgicas".

E então apareciam dois tipos de personagens: os que saiam vociferando sua
raiva canina e os que diziam que não concordavam exatamente com tais
métodos, mas que deveríamos dar uma reposta sem angelismos ao problema. São
aqueles que dizem, atualmente, que a sociedade brasileira sofre com tanta
violência e merece parar de ser importunada com essa conversa de direitos
humanos de bandido. Ou seja, o velho truque do policial mau e do policial
bom.

As pessoas que amarraram o jovem negro no Rio de Janeiro não apareceram do
nada. Seus pais já apoiavam, com lágrimas de felicidade nos olhos, os
assassinatos perpetrados pelo esquadrão da morte. Seus avós louvaram as
virtudes do golpe militar de 1964, que colocaria de vez a ordem no lugar da
baderna. Seus bisavós gostavam de ver a polícia da República Velha atirando
contra grevistas com aquele horrível sotaque italiano. Seus tataravós
costumavam ver cenas de negros amarrados a postes com um cer- to prazer
incontido. Afinal, já se dizia à época, alguém tinha que pôr ordem em um
país tão violento.

Sim, tais pessoas sempre estiveram no mesmo lugar. Só mudaram as gerações.
Não há como compreendê-las nem nunca haverá acordo possível com elas. Que
acordo haveria com alguém que nem sequer é capaz de estranhar seus próprios
gestos no momento em que espanca, arranca a roupa e amarra alguém em um
poste? Ou com alguém que não teme em justificar ação tão nobre e edificante?

Contra pessoas desse tipo, não se procura um acordo nem se deve esperar que
elas mudem. Luta-se contra elas, sem trégua, até que tenham medo de mostrar
sua barbárie na rua e a escondam dentro de suas próprias casas.

*:::*
*Niquele*

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