[coletivaterra] RELATO DO MUTIRÃO - LADO B - 26-11-2017

  • From: Camila Leao <camila.leao83@xxxxxxxxx>
  • To: coletivaterra@xxxxxxxxxxxxx
  • Date: Mon, 4 Dec 2017 08:46:14 -0200

Pessoal,

A memória de cada um dá voltas inimagináveis. A proposta, então, é criar um
espaço da nossa memória afetiva dos dias em que passamos juntos. Um espaço
livre de criação: texto, desenho, música, foto...enfim... Aquilo que tenha
te tocado no dia.

Inicio o relato, falando um pouco da minha memória do dia 26.

Bj

Cami


QUEM SE SENTIR À VONTADE, CONTINUE...


RELATÓRIO SENTIMENTAL DE UM DIA DE CHUVA E DE SEMENTES - PARA COMEÇAR A
DESCREVER OS SILÊNCIOS

Depois da reunião na Comuna, todos ficamos com tantas expectativas. A
principal talvez tenha sido: PLANTAR.
Mas a natureza tem dessas coisas de fazer tudo ao seu tempo. E, na
contramão de todas as expectativas, choveu muito.
Inicialmente, o quadro parecia desanimador, porque a ansiedade por plantar
era muita. E pensei, diante da terra molhada, sobre aquela água escorrendo
por entre os poros de terra: molhando, escorrendo, lavando. E talvez aquela
água toda fosse mesmo esse fluxo de vidas que se misturavam naquele
instante. Fomos obrigados, de alguma forma, a não sermos indivíduos ávidos
para sair e plantar desesperadamente. O tempo nos obrigou a estarmos
dentro. E o dentro foi um olhar no olho do outro, no olho de dentro.


Aquele dia, primeiramente, fez-me lembrar da infância. Na verdade, tudo
começou com esse estar dentro e olhar para a Pipoca mexendo nas sementes.
Lembrei-me de quando eu era criança e ganhava o material escolar para o ano
que iniciaria. O cheiro das coisas, a expectativa de ver a professora e os
colegas, o desejo de aprender... tudo isso guardado... uma bolinha de
silêncio no eu dentro do meu próprio eu. Era muita alegria, que se renovava
ali reconfigurada no olhar de outro. E, percebendo aquela cena, pensei no
quanto podemos ainda ter uma felicidade intensa em coisas milagrosas da
vida, como as sementes. Fiquei pensando no que motivava aquela alegria: o
milagre da transformação da semente ou da terra fecundando a vida? Ou será
que nada disso e que, na verdade, aquela projeção era meu próprio eu
transformando algo em mim? De qualquer modo, o encantamento pelo que não é
óbvio e que é, ao mesmo tempo, tão essencial renovou-me de alguma forma.
Era a água- fluxo, caminho.

Olhei em volta tantas vezes. Lembrei-me de Drummond: "O bonde passa cheio
de pernas: / pernas brancas pretas amarelas. / Para que tanta perna, meu
Deus, pergunta meu coração. / Porém meus olhos /não perguntam nada." De
repente, aquelas sementes todas eram apenas a metáfora de nós mesmos.
Nós-semente. E água-fluxo, a água-vida, escorrendo e abrindo caminhos para
que algo germinasse entre nós. O dentro era importante. Dançarmos juntos,
em volta do fogo. Sentimos o olho do outro e nos encontramos lá dentro.

Também o almoço e a cozinha onde tudo era preparado apresentaram-me algo de
especial. Havia uma harmonia de cores nas panelas e um perfume de convidar
para "estar mais perto que te quero junto, que te quero um comigo e com
todos". E, quando se comia, era de novo aquele silêncio de dentro, um
aconchego na alma. O verde-salada explodindo na boca e o
quente-feijão-legumes-arroz contando uma poesia.

Depois de um tempo, saímos à rua. E era um cheiro de terra, cheiro de mato,
cheiro de vida. E, no meio disso tudo, aquela figueira silenciosa,
assustadora, sedutora. Foi impressionante quando ela me chamou e me pus a
olhá-la. Seus troncos majestosos e seu silêncio poderoso eram como a
própria alma se despindo e se revelando e convidando para ser mais profundo
dentro de mim.

O dia encerrou assim: uma chuva-sol. Um silêncio-barulho. Um olhar para o
dentro e para o nós.

A água- fluxo  impulsinou talvez todos a estarem mais dentro do olho de
dentro um do outro. E, diante de tudo isso, entendi que achava todos muito
bonitos. Meu coração encheu-se de gratidão.

Depois a estrada percorrida. E um sentimento de plenitude e de nova vida.


Vontade de saber dos outros silêncios...

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