[Nefelibatas] Ótima avaliação acerca da reabertura da "ferida"

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  • Date: Wed, 20 Oct 2004 19:19:59 -0300

Quarta, 20 de outubro de 2004. 


DORA KRAMER


A questão do poder civil

 <mailto:dkramer@xxxxxxxxxxxxxx> 

Dora Kramer

Não basta manifestar indignação difusa, disseminar a versão da crise ou
ainda mandar que o Exército e o Ministério da Defesa se expliquem ao País. 

Na condição de comandante-em-chefe das Forças Armadas, o ideal seria que o
presidente Luiz Inácio da Silva assumisse uma posição oficial a respeito da
nota (oficial) do Exército que, a propósito de reagir à publicação de fotos
inéditas de Vladimir Herzog pouco antes de ser morto no DOI-Codi, há 29
anos, em São Paulo, faz um libelo da ditadura e considera seus métodos
legais e legítimos. 

Trata-se, no momento, menos do caso em si, e muito mais da afirmação da
autoridade do poder civil sobre a estrutura militar. Não por qualquer risco
ao regime ou abalo institucional, mas para aproveitar a oportunidade e repor
as coisas em seus devidos lugares. Tentar consolidar o projeto de
subordinação das Forças Armadas aos princípios de uma sociedade democrática,
iniciado com a criação da pasta da Defesa e a entrega de seu comando a um
ministro civil. 

Do jeito como as coisas foram postas nesse episódio, o Exército pontuou uma
autonomia política não condizente com sua condição de linha auxiliar da
cidadania e, na prática, se contrapôs a uma decisão de Governo (aí incluídos
os três poderes) que considerou o Estado responsável pelos crimes - assim os
qualificou quando concordou em indenizar as vítimas - cometidos durante o
regime militar. 

A nota classifica como "revanchismo" a reabertura do debate em virtude da
divulgação das fotos de Herzog e ainda considera "as medidas tomadas pelas
Forças legais" uma "legítima resposta aos que se recusaram ao diálogo". 

Ainda que o Exército esteja aí se referindo à luta armada - o que nem de
longe serve para justificar a tortura - , comete erro de tempo e de pessoa,
pois foi em nome da liberdade e da abertura do diálogo entre Estado e
Sociedade que gente como Vladimir Herzog lutou pela devolução do Brasil e
todos os brasileiros, via redemocratização. 

Os jornais de ontem registraram informações repassadas por assessores
presidenciais, dando conta da irritação do presidente Lula com o teor da
nota e com a atitude - nenhuma - do ministro da Defesa, José Viegas. 

Segundo os auxiliares, o presidente avaliou que Viegas "deu a impressão" de
que não tem autoridade sobre o Exército. 

Não é bem assim. A "impressão" o ministro firmou desde o início de sua
gestão, criticada abertamente no meio militar que recua apenas quando,
nessas ocasiões, o ministro vem a público defender a alocação de mais verbas
do Orçamento para as Forças Armadas. 

A manifestação independente do Exército agora consolidou a sensação como
certeza. E, a menos que o Governo retome as rédeas e dê ele o rumo da
conduta militar (não apenas na questão Herzog, pois há também o caso dos
documentos e da investigação sobre os mortos na guerrilha do Araguaia), a
existência do Ministério da Defesa acabará por perder o sentido, pois vai se
invertendo sua concepção original. 

Diga-se, não é um defeito exclusivo do Governo Lula. Embora tenha o mérito
da execução da idéia, o então presidente Fernando Henrique Cardoso já
começou errando ao indicar o primeiro titular da pasta sob o critério da
negociação político-partidária, com o PFL, para abrigar o senador Élcio
Álvares. 

Se por causa desse equívoco de origem ou por erros continuados, não importa,
fato é que o Ministério da Defesa jamais adquiriu a embocadura necessária à
correta implementação do projeto de adequar a organização militar brasileira
aos ditames do poder civil. 

Toada antiga 

No afã de convencer o eleitorado das vantagens de reelegê-la prefeita, Marta
Suplicy talvez não tenha se dado conta, mas está usando os mesmíssimos
argumentos da velha política do cabresto cada vez menos aceita nos grandes
centros, entre os quais São Paulo é a maior expressão. 

"O presidente Lula envia recursos quando tem sintonia com os objetivos
daquele prefeito ou daquele governador", disse Marta, dando a entender ao
cidadão paulistano que, se ele preferir José Serra, a cidade ficará sem
verbas federais. 

Foi assim, exatamente desse jeito, que gente bastante conhecida de todos nós
sempre tratou, e trata, o eleitorado: na base da exibição de relações
exclusivas com o poder e, por conseqüência, do monopólio da capacidade de
movimentar os instrumentos do Estado. 

Na realidade, o presidente Lula não "envia recursos" por causa da sintonia
com este ou aquele governante. Em boa medida, o Governo federal distribui
seus recursos por obrigatoriedade legal e responsabilidade administrativa. 

Aliás, o descumprimento dessas regras pode, em casos mais acentuados,
configurar crime de responsabilidade, uma das justificativas para alegação
de impedimento de um governante. 

A esse tipo de prática - de defender, ou levar pessoas a assumir, uma
determinada posição política em função das vantagens matérias que se possa
obter - dá-se o nome de clientelismo. Não fica bem para alguém como Marta
Suplicy, com toda uma trajetória profissional a serviço das modernidades
civis. 

 
  _____  

Dora Kramer escreve no DIA de terça-feira a domingo

 


 
CocoLoco 




BM__AthCaretNickeLeus Locus Pinellius Zemborian, também conhecido como
CocoLoco, fã incondicional de rap, afoxé, heavy metal e música instrumental,
é presidente do Departamento de Geloterapia Cibernética e Terrorismo Digital
do Partido dos Revolucionários Flamenguistas.

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