Aos colegas nefelibatas que tiverem a paciência de ler, repasso interessante decisão recém-prolatada pela corte máxima do judicário pernambucano. Nilson -----Mensagem original----- > >Diário Oficial do Estado - PE de 7/10/04 > > O dia do "Foda-se" > > > Colégio Recursal dos Juizados Especiais CRIMINAIS > Presidente: Dr: Evanildo Coelho de Araújo Filho > PUBLICAÇÃO REFERENTE À SESSÃO DE JULGAMENTO REALIZADA NO DIA 24/09/2004 > > APELAÇÃO Nº 07/2003. > > PROCESSO Nº 1519/2002 > > ORIGEM: 1º JECRIM DA CAPITAL > > RECORRENTE: PAULO CÉSAR MAIA PORTO > > ADVOGADO: Dr. GILBERTO MARQUES DE M. LIMA (OAB 6378 - PE) > > RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO > > JUIZ RELATOR: Dr. ABNER APOLINÁRIO DA SILVA > > Aos 24 (vinte e quatro) dias do mês de setembro de 2004, na sala de >sessões de audiências, presentes o Dr. Evanildo Coelho de Araújo Filho, >presidente deste Colegiado, Dr. Cristóvão Tenório de Almeida, Juiz de >Direito e Dr. Abner Apolinário da Silva, Juiz de Direito convocado para >este Julgamento. > > Apregoadas as partes, compareceu ao ato o Recorrente Paulo César Maio >Porto, acompanhado por seu advogado, Dr. Gilberto Marques - OAB/PE 6.378. >Aberta a audiência, foi dada a palavra ao relator, o qual relatou o >feito, abrindo-se, em seguida, a palavra ao Advogado do recorrido para >fazer sustentação oral, na qual foi reiterada a apreciação da matéria >preliminar, > com ênfase à ausência da fase conciliatória. O advogado do recorrente >requereu a juntada de memorial em 13 (treze) laudas, que foi deferida. > > Seguindo-se, passou o Excelentíssimo relator a proferir o seu voto: > > Ementa: Crime de injúria praticado contra servidor público. Materialidade >e autoria comprovadas. Demonstrado o animus injuriandi sem qualquer causa >de > excludente de criminalidade ou perdão judicial, a condenação se impõe, >mantendo-se a decisão a quo. Aquele que, com ânimo manifesto de desdenhar, > mesquinhar e repudiar, usa impropérios verbais para mandar a vitima "se >fuder". ofender dignidade e decoro ( CP, art.140), sem contar que fere >dignidade da pessoa humana e a cidadania. O tratamento jurídico >dispensando aos Magistrados, membros do Ministério Público e Defensores >Públicos é de EXCELÊNCIA. Se o intuito do apelante,fosse chancelado pelo >Poder Judiciário, imagine-se como não seria o tratamento nas sessões >forenses: os mais esmerados no trato vernacular e >protocolar, quando descontentes, estariam autorizados a dizer: "VOSSA >EXCELÊNCIA, PERMISSA NEVIA, VÁ SE FUDER...". > >A Constituição não veda, em nome da liberdade de expressão (CF, art. 5º >IV) que alguém mande outro "se fuder". Todavia, quem o faz, deve agüentar >as conseqüência, criminais, civis e administrativas pelo tresloucado ato. > > Na retorsão, o revide à agressão há de ser no mesmo diapasão da agressão >originária. Se não houve agressão da vitima em relação ao agressor, não há >que se cogitar de excludente, mesmo que atual, iminente ou putativa. > > Manutenção da sentença a quo em todos os seus termos, inclusive quanto à >pena aplicada > > PRELIMINARES: As questões prejudiciais de mérito (preliminares) >suscitadas pela defesa no presente recurso, conforme bem enfrentou a MMª >Juíza de > primeiro grau, quais sejam, inexistência de representação da vítima; >ilegitimidade do Ministério Público; inexistência de audiência de >tentativa de conciliação; e irregularidade da proposta de suspensão >processual, jamais poderiam ser argüidas neste recurso, tendo em vista >que essas matérias já foram julgadas por este Colégio Recursal no Habeas >Corpus nº 07/2003 (doc. de fls. 164/178) da relatoria do conspícuo >Francisco Rodrigues da Silva, > precocemente aposentado, que deixou lacuna irreparável na Magistratura >pernambucana. Na presidência desta Corte, o seu primoroso voto transmuda-se > em excelente aula de processo penal; com agudeza e erudição jurídicas, >apresentou seu primoroso voto, com esmerado acerto, culminando com a >denegação à unanimidade dos julgadores de então. > > Tal "manobra" (apresentar questões já julgadas para novo julgamento) >adotada pela defesa se constitui deslealdade e má fé processual, além de >alteração > da verdade de fato juridicamente relevante (CPC, art. 14, II, III e 17, >II), deturpação e desconsideração de julgado anterior (Lei nº 8.906/94, >art.34, XIV) proferido por este Colégio Recursal para iludir este Órgão >Julgador, ou seja, o juiz da causa. > > Daí que referidas questões não mais podem ser objeto de julgamento por >este mesmo Órgão Julgador, sob pena de violar a coisa julgada material e >formal. > >Voto do Dr. Cristóvão, Juiz membro, com referência à matéria preliminar: > > concordo com o voto do relator, acrescentando que a fase conciliatória >fora exaurida, tanto que se seguiu com a transação penal e proposta de >suspensão, as quais não foram aceitas pelo recorrido. > > Voto do Juiz presidente, com referência à matéria preliminar: concordo >com o voto do eminente Juiz relator, acrescentando que o recorrente, na >audiência > de instrução, esteve devidamente representado e não opôs qualquer objeção > à continuidade da mesma, relativamente a direito seu preterido. Por >outro lado, a vitima, no momento das supostas palavras injuriosas >promovidas pelo recorrente, encontrava-se no exercício de função pública. >Ora, se a ofensa foi dirigida à autoridade, como é o caso em exame, a ação >penal passa a ser pública condicionada à representação, a qual existiu >nestes autos, fato que afasta a hipótese conciliatória, bem como a >retratação. > > MÉRITO: no mérito, que em verdade é o que deve ser julgado, sustenta: a) >o fato de ter mandado a Promotora de Justiça "se foder" é atípico e >irrelevante para o Direito Penal; b) segundo Millor Fernandes, "o direito >ao > 'foda-se' deveria estar assegurado na Constituição Federal"; c) falta do >elemento subjetivo, por ausência de dolo - animus diffamandivel >injuriandi; d) que a referida expressão foi proferida no calor da >discussão, o que faz >desaparecer a antijuridicidade do crime; e) extinção da punibilidade pela >retorsão putativa; f) seja diminuída a pena para adequá-la à situação >econômica do condenado-apelante. > >O palavrão é um fenômeno mundial, usado em todos os países e culturas >deste planeta. É de se supor que tenha surgido entre os primeiros >habitantes da terra, haja vista que um dos livros mais antigos que se >conhece - a bíblia, assinala sua existência. > >Modernamente os filólogos não têm entendimento uniforme sobre o palavrão. > > Há quem admita que ao ser emitido numa roda de chá, entre anciães, num >contato de diplomacia, entre alguém que discursa em público, numa reunião >religiosa, ele seja extremamente ofensivo. Outros, no entanto, entendem >que se pronunciado por trabalhadores braçais, na azáfama da rude e pesada >lide, torna-se um recurso lingüístico primoroso, de bom propósito, agindo >como >válvula de escape das tensões emocionais. > > O sempre lembrado folclorista pernambucano, de saudosa memória, Mário >Souto >Maior, autor do Dicionário de Palavrões e Termos Afins, certa feita, numa >entrevista, dissera que até o Cristo, quando expulsou os vendilhões do >templo, proferiu impropérios e palavrões, assim como o fez o profeta >Jeremias, quando foi lançado no calabouço, pelo rei de então. > >Particularmente não creio que essas personagens de bíblica e milenar >memória tenham utilizado tal recurso lingüístico. > > Atualmente o palavrão tem sido usado no trato do dia-a-dia: entre amigos >ou inimigos, dando-se aula, proferindo-se conferência, em momento de >extrema alegria, profunda tristeza ou de fúria incontida; para exprimir >uma >conduta carinhosa, um sucesso alcançado; um gol do time predileto, até >mesmo para elogiar um amigo íntimo, etc. Afinal o palavrão tornou-se um >meio de expressão ou de comunicação, através da palavra articulada, >escrita ou de forma simbólica - por gestos obscenos. > > O certo é que o palavrão pode ser dito para elogiar, naltecer, louvar ou >para denegrir, vituperar, etc. Nesta acepção, busca-se atingir a honradez >e >a moral do destinatário, daí por que não pode ser desprezado pelo >ordenamento jurídico pátrio. É o idioma encontrado na rua e desdenhado >pelos >puristas. > >No caso em apreço, a alegação da defesa de que mandar alguém "se foder" >(seja servidor público ou não) é fato alheio à Ciência Criminal não merece >agasalho, pois, no Estado de Direito, qualquer pessoa (servidor público ou > > não) desfruta da faculdade de exprimir qualquer palavra ou frase em >desfavor de quem escolher, respondendo nos limites da lei pelo que disser. > > Destarte, o condenado, com ânimo manifesto de desdenhar, mesquinhar e >repudiar, sem qualquer provocação, se valeu de impropérios verbais > aviltantes de uso incomum, para tanto mandou a vítima "se foder", de modo > que ofendeu, ridicularizou e achincalhou a dignidade e o decoro da >vítima(CP, art. 140), e por tal fato, assumiu por conta e risco as > > conseqüências da sua criminosa conduta preordenada, típica e >antijurídica, em especial porque fazia às vezes de Defensor Público-Geral >do Estado de Pernambuco e a vítima Promotora de Justiça, mesmo que em >serviço não > estivessem. > > É de conhecimento público que entre os membros da Magistratura (LOMAN, >art. 35, IV), do Ministério Público (LOMP, art. 41, I) e da Advocacia >(EOAB, >art. 6º), não há hierarquia nem subordinação, devendo todos elevação e >respeito recíprocos, e notadamente, recebem os mesmos tratamentos >jurídicos e protocolares dispensados aos membros do Poder Judiciário. > > O tratamento jurídico e protocolar dispensado aos Magistrados, está >contido no art. 239, do Código de Organização Judiciária do Estado de >Pernambuco, > assim vazado: "Gozam os magistrados, além dos conferidos aos servidores >públicos, em geral, e não incompatíveis com o seu STATUS, do direito de > receber o tratamento de EXCELÊNCIA". Por extensão, os membros do >Ministério Público recebem igual tratamento, podendo ser estendido aos >Defensores > Públicos. > > Se o intuito ultrajante do apelante, que fere a dignidade da pessoa >humana e a cidadania, fosse chancelado pelo Poder Judiciário, imagine-se >como não seria o tratamento nas sessões forenses: os mais esmerados no >trato vernacular e protocolar, quando descontentes, estariam autorizados a > dizer: > >"VOSSA EXCELÊNCIA, PERMISSA VENIA, VÁ SE FODER...". > > Ora, tal conduta desairosa não é aceitável em nenhuma sociedade >juridicamente organizada, nem mesmo no regime anárquico, a não ser ao >eremita, ou quem sabe, Robson Crusoé, personagem lendário que viveu >perdido num matagal denso e que, de certo, só existiu na pena do escritor. >Nessa acepção, por não viverem em civilização, não estariam submissos às >regras do > Estado soberano. > > Quanto à opinião de Millor Fernandes, que o apelante trouxe à colação >como "doutrina", no sentido de que "o direito ao 'foda-se' deveria estar >assegurado na Constituição Federal", observa-se que o direito de externar >opiniões é prerrogativa de qualquer pseudo-jornalista e/ou humorista, >mormente quando leigo na Ciência do Direito, jamais por alguém de sã >consciência jurídica, e ainda como precedente para excludente de >criminalidade. > > Ainda bem que Millor Fernandes não recebeu poderes para ser constituinte, > seja originário ou derivado. Duvida-se muito, que na condição de >parlamentar, ele-Millor, se arvorasse em subscrever Proposta de Emenda >Constitucional tendente a inserir o direito de alguém mandar outrem "se >foder". Com certeza, seria cassado por falta de decoro parlamentar, sem >contar que a cidadania a dignidade da pessoa humana foram erigidos à >condição de fundamentos da República Federativa do Brasil e tais >fundamentos não podem ser tisnados (CF, art. 1º, II e III). > > É bom que se esclareça, que para fazer o que o apelante fez, não precisa >estar expressamente previsto na Constituição Federal ou na legislação >infraconstitucional. > > Qualquer pessoa devotada pelo Direito sabe que, implicitamente, a >Constituição Federal permite, em nome da liberdade de expressão que alguém >mande outro "se foder" (CF, art. 5º, IV). Nada impede. Todavia, se o >fizer, agüente as conseqüências, criminais, civis e administrativas pelo >tresloucado ato. É assim no Estado juridicamente organizado. Tudo é >permitido, mas quando realizado fora da lei, o malfeitor responde pelo que >diz e faz. Nem mais, nem menos. > > Quanto a alegativa do apelante de que inexistiu elemento subjetivo, por >ausência de dolo, também não procede. Em nenhum momento o condenado negou >a >existência do fato; ao contrário, até confessa, inúmeras vezes, >pessoalmente, e nas peças que apresentou. > >O fato de estar tomado pela ira e revolta, como declarou, nunca exclui a >antijuridicidade de crime, apenas a agrava e demonstra que o animus >injuriandi ficou patenteado. > >Embora a raiva seja um sentimento comum a todos >os que integram o reino animal, ao homem, foi dado o raciocínio, para >aprender a conter sua adrenalina, e, portanto, controlar o impulso >instintivo. Afinal, a conduta destemperada pode ser tolerada quando >expandida por algum troglodita dos primórdios das cavernas, o que não é o >caso, haja vista que o condenado é um homem supinamente inteligente, a >ponto de ocupar relevantes papéis no seio da sociedade pernambucana. Aliás, >é >bom que se diga que o Mestre da Galiléia, na sua curial sabedoria, chegou a > dizer que "a quem mais se dar, mais se pede". > A alegação de que a malsinada expressão foi proferida no calor da >discussão, igualmente, não tem sustentação no contexto probatório. > > Não há nos autos qualquer elemento material ou testemunhal que leve a tal > conclusão. A vítima, na condição de Promotora de Justiça, quando da >reunião pré-falada, tratou o apelante, na condição de Defensor >Público-Geral, com elevação e urbanidade, com palavras adequadas aos >profissionais do direito, sem qualquer mácula ao texto codificado. > > Ademais, para que seja reconhecida a retorsão, precisa que o revide à >agressão seja no mesmo diapasão da agressão. Numa linguagem aritmética, >seriam grandezas diretamente proporcionais. Se for a maior, responde pelo > excesso. Daí que não existe retorsão a ser reconhecida, se não houve >agressão verbal ou gestual da vítima em relação ao apelante agressor, >mesmo que atual, iminente ou putativa. > > Por fim, a dosimetria fixada pela MMª. Juíza quando da prolação da douta >e irretocável sentença, consistente em 20 (vinte) dias-multas, sendo o >dia-multa a base de 2 (dois) salários mínimos, não merece qualquer reparo. >Foi arbitrada em 20 (vinte) dias, o dobro da pena mínima, que é de 10 >(dez) dias, quando poderia ir até 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. > >Considerou o dia-multa à base de 2 (dois) salários mínimos, quando poderia >ir até 5 (cinco), e ainda poderia ser aumentada até o triplo (CP, art. 60, >§ 1º). > >Portanto, a MMª Juíza agiu com prudência, razoabilidade e >proporcionalidade, já que foi levada em conta a gravidade da agressão, a >repercussão na comunidade jurídica, a condição de Promotora de Justiça da >vítima, de Defensor Público, Professor Universitário e Advogado do >agressor, o nível de vexame e constrangimentos passados pela vítima. > > À vista do exposto, voto no sentido de conhecer de todos os fundamentos >do recurso, mas NEGAR-LHE PROVIMENTO, mantendo-se a decisão de primeiro >grau em todos os seus termos. > > É como voto. > >Voto do Dr. Cristóvão, Juiz membro, com referência à matéria de mérito: >concordo com o voto do relator. > > Voto do Juiz Presidente, com referência à matéria de mérito: concordo com > o voto do relator. > > Vistos e relatados o presente recurso, foi decidido à unanimidade por >parte dos Magistrados que compõe esta Corte de Julgamento negar provimento >ao > recurso de apelação. Recife, 24 de setembro de 2004. > > Abner Apolinário da Silva > > Juiz Relator > > Evanildo Coelho de Araújo Filho > Juiz de Direito > > Cristóvão Tenório de Almeida > > Juiz de Direito > > "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente." Lord Acton ---------------------------------------------------------- Grupo de Analistas Legislativos da Câmara dos Deputados ? Atribuição Técnica Legislativa ? empossados a partir de 17/01/02. E-mail: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx Site: //www.freelists.org/list/analistas2002 ----------------------------------------------------------