[Nefelibatas] Mais PT e Lulla Iscariotis (muita gente deve estar-se sentindo assim...)

  • From: analistas2002@xxxxxxxxxxxxx
  • To: "CamaraDas" <analistas2002@xxxxxxxxxxxxx>
  • Date: Wed, 13 Oct 2004 15:55:20 -0300

      O PT que perde o PT 

      Nelson Breve

      O partido deixou de ser uma alternativa de ruptura "com tudo isso que aí 
está". Tornou-se um símbolo de mudança: a mudança das pessoas para não mudar as 
estruturas.


     
      Nunca me filiei a nenhum partido nem pertenci a qualquer tendência 
política. Não que me orgulhe disso, mas meu modo de ver o mundo sempre foi 
independente. Já fui humilhado por comunistas por criticar a reserva de mercado 
para a informática e taxado de comunista por conservadores ao defender a 
reforma agrária. Nunca fui petista, mas, como proclamava aquela propaganda do 
Duda Mendonça, sempre tive um pouco de PT nas minhas opiniões, princípios e 
convicções. 
      Lembro que em 1989 fiquei encantado e emocionado ao ver aquelas 
barraquinhas nos comícios vendendo camisetas, estrelinhas e outras bugigangas 
para arrecadar o dinheiro das campanhas. Quanta gente não sacrificou parte da 
sua vida para dar condições ao partido de enfrentar os aliados do poder 
econômico, que sempre tiveram os recursos que precisaram para vencer as 
eleições. Os comícios eram festas bonitas, cívicas, animadas por artistas que 
acreditavam naquela alternativa de fazer política. A militância era um ritual 
de libertação. 

      As coisas começaram a mudar quando o PT sentiu mais de perto o cheiro do 
poder. Percebi isso nitidamente na eleição de 1992. O senador Eduardo Suplicy 
disputava a sucessão de Luiza Erundina contra Paulo Maluf. Na véspera do 
segundo turno, a eleição estava praticamente definida em favor de Maluf. 
Antevendo o que estava por vir, cheguei ao limite do desespero e decidi fazer o 
que estava ao meu alcance para tentar impedir o desastre: pela primeira, e 
única, vez até hoje, encarei o trabalho de boca-de-urna. 

      Comecei a observar as mudanças no interior do PT naquela eleição. Quando 
cheguei ao comitê para pegar o material de campanha, uma senhora negra, de São 
Miguel Paulista (Zona Leste de São Paulo), típica representante das comunidades 
de base, discutia com a mocinha encarregada de organizar a distribuição dos 
pacotes, típica classe média paulistana, que parecia estar curtindo uma nova 
moda. 

      - Quero saber onde estão precisando de gente - disse a senhora. 

      - Da onde a senhora é? 

      - Sou de São Miguel. 

      - Então, a senhora tem que procurar o pessoal de lá. 

      - Mas lá já tem bastante gente. Quero ajudar onde estão precisando. 
Parece que está faltando na Zona Norte. 

      - Não, minha senhora. Se a senhora é da Zona Leste, tem que procurar o 
pessoal da Zona Leste - insistiu a mocinha. 

      No dia da eleição, devo ter caminhado mais de 50 km entre seções 
eleitorais da avenida Paulista, Brigadeiro Luiz Antonio e adjacências. Abordei 
centenas de eleitores tentando convencê-los a votar no candidato petista. Pode 
ser que tenha influenciado alguém, mas o que mais ouvi foi: "Se o Suplicy fosse 
de outro partido votaria nele, mas no PT não voto. Chega de PT!". O que mais me 
incomodou, no entanto, foi a falta de militantes na boca-de-urna. Só tinha uma 
garotada buzinando carro e balançando bandeiras, tal como se manifestam 
torcedores nas finais dos campeonatos de futebol. 

      Naquela campanha, apareciam os primeiros sinais da mudança de base social 
do PT. Ali, o partido começou a se profissionalizar. A militância voluntária, 
que acredito ainda exista em algum canto hoje, foi sendo substituída pela 
militância de gabinete: os assessores de vereadores e secretários pagos com 
dinheiro público ou dos sindicatos. As lideranças comunitárias deixaram de ser 
protagonistas. Foram substituídas por representações das classes médias. 

      O PT foi se integrando ao sistema de poder. Assimilou a forma, o jeito e 
os métodos de fazer política dos políticos que criticava. É a mesma maneira de 
arrecadar recursos, são as mesmas técnicas para "vender" os candidatos, os 
mesmos cabos eleitorais pagos, os mesmos compromissos com o poder econômico, as 
mesmas alianças pragmáticas e o mesmo modo de governar. 

      O PT deixou de ser uma alternativa de ruptura "com tudo isso que aí 
está". Tornou-se um símbolo de mudança: a mudança das pessoas para não mudar as 
estruturas. Mesmo quando muda as prioridades para beneficiar os mais pobres, 
deixa a impressão de estar interessado apenas nos votos deles, que são maioria 
do eleitorado. 

      Quando vejo o PT eleito para a Câmara Municipal de São Paulo e o PT que 
ficou de fora, me convenço de que aquele partido que me emocionou 15 anos atrás 
não existe mais. Todo mundo continua tendo um pouco de PT, mas o PT está 
perdendo o PT que tinha dentro dele. 

     


      Nelson Breve é chefe da Sucursal de Brasília da Agência Carta Maior 



 
 



NickeLeus Locus Pinellius Zemborian, também conhecido como CocoLoco, fã 
incondicional de rap, afoxé, heavy metal e música instrumental, é presidente do 
Departamento de Geloterapia Cibernética e Terrorismo Digital do Partido dos 
Revolucionários Flamenguistas.

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