[Nefelibatas] Circunstâncias da morte do jornalista Wladimir Herzog

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  • Date: Fri, 22 Oct 2004 10:52:41 -0300

A voz dos quartéis      
JOSÉ CARLOS TÓRTIMA 
TEMA EM DEBATE: REGIME MILITAR

A farsa do suicídio do jornalista Wladimir Herzog, montada por aqueles que o
supliciaram e assassinaram em outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi
de São Paulo, veio a ser, por fim, documentalmente desmoralizada nesta
semana pela implacável evidência das duas fotos publicadas no jornal
"Correio Braziliense" (e republicadas no GLOBO), do último dia 18, mostrando
Herzog completamente despido, sentado no catre de sua cela. Obtém-se, assim,
a prova direta, definitiva, daquilo de que ninguém mais, em boa-fé, poderia
duvidar: Vlado, como era carinhosamente chamada a vítima, fora trucidado por
seus algozes, pelo "crime" de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro, e a
encenação burlesca e cínica do seu "suicídio" nem revelava a preocupação dos
criminosos, certos da impunidade, em salvaguardar as aparências. 

De fato, sabidamente nenhum prisioneiro é deixado com o cinto, peça com a
qual, segundo a versão oficial, divulgada à época, Herzog se matara. Além
disso, peritos ouvidos afirmaram que não seria possível ocorrer o suicídio
nas condições em que o corpo foi supostamente encontrado na cela. Mas,
constata-se agora, pelas fotografias tiradas por um dos carcereiros, e
mantida escondida por quase três décadas, Herzog na verdade estava
completamente nu na cela antes de ser morto. Como então usaria o tal cinto
para enforcar-se? 

A gritante evidência do crime, apontando o dedo acusador para uma
dependência do Exército, onde o jornalista perdeu a vida, inviabilizaria, é
claro, qualquer tentativa de desencavar a velha e ridícula versão oficial do
suicídio, em defesa dos autores do homicídio. 

A solução, lastimável por todos os aspectos, materializada em nota oficial
do próprio Exército, foi justificar o fato, ainda que através dos eufemismos
que transformaram centros de torturas em "estruturas de operação e
inteligência" supostamente destinadas à defesa do "governo legalmente
constituído", como, com todas as letras, foi classificada a ditadura militar
naquela nota. 

É bem verdade que chamados às falas pelo presidente da República, por sua
vez alarmado com a péssima repercussão da desastrosa manifestação de seus
comandados, os autores da nota voltaram atrás, reconhecendo que, por assim
dizer, falaram demais. 

Mas como um simples pito, mesmo vindo do presidente da República e
comandante-em-chefe das Forças Armadas, não muda a cabeça das pessoas e o
recuo não teve o significado de cabal retratação, no sentido de condenar,
para pedir o mínimo, todos os excessos e abusos do regime de exceção, não me
parece que o episódio esteja encerrado para a democracia brasileira. 

De fato, a manifestação do Exército foi totalmente descabida. Primeiro, e
sobretudo, porque seu pronunciamento inicial soa como autêntico desafio à
ordem democrática duramente conquistada, verdadeira profissão de fé golpista
e legitimadora do arbítrio e de toda a sorte de violência praticada àquela
época sobretudo durante a vigência do odioso Ato Institucional n 5. 

Segundo, porque não cabe aos comandantes militares fazer pronunciamentos
políticos à nação, sobretudo para justificar regimes incompatíveis com a
ordem democrática e a Constituição da República que eles juraram defender.
Os oficiais das Forças Armadas têm, numa democracia, os canais próprios para
suas manifestações políticas. 

No Brasil, desde o governo de Epitácio Pessoa, tem sido os clubes militares,
o do Exército particularmente, a caixa de ressonância da voz dos quartéis, e
deve ser reconhecido ao oficialato o legítimo direito de se fazer ouvir,
como qualquer classe ou categoria profissional, sobretudo quando
reivindicam, pela via própria, melhores condições de trabalho para o
desempenho de sua relevante missão. 

Por fim, não existe qualquer revanchismo na exibição de provas inéditas dos
crimes praticados pelos sicários daquele execrável regime. Por acaso, os
militares alemães se sentem perseguidos ou vítimas de revanche quando são
mostradas as crueldades praticadas pelas tropas da SS? Aliás, não é
exatamente apropriado falar-se em "revanchismo", quando se sabe ser o
Brasil, infelizmente, um dos poucos países do mundo, vítimas de ditaduras,
onde os tiranos e seus sequazes conseguiram manter-se refestelados na mais
tranqüila e absoluta impunidade. 

Assim sendo, para o bem da democracia, cabe ao governo legitimamente
constituído pelo voto popular a adoção de medidas efetivas para que não mais
recrudesçam tais afrontas à ordem democrática. 

JOSÉ CARLOS TÓRTIMA é advogado.


"Nobody can give you freedom. Nobody can give you equality or justice or 
anything. If you're a man, you take it."

Malcolm X, Malcolm X Speaks, 1965


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