[CamaraDas] Brasilianische Pünktlichkeit

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  • Date: Mon, 24 Feb 2014 15:36:44 -0300

A pátria de ponteiros

Antonio Prata


Numa demonstração de abertura e inequívoca coragem, Fritz pediu uma
feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades
de adaptação. O alemão disse que não.

Por conta do seu trabalho -instala e conserta máquinas de tomografia
computadorizada-, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava,
no Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros. O
problema era menos o atraso, confessou, do que nossa dificuldade em
admiti-lo: "O pessoa manda mensagem, diz 'tô chegando!', eu levanta do
minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só
quarrrenta minutos depois". Então me fez a pergunta que só poderia vir de
um compatriota de Emanuel Kant: "Quando a brrrasileirrro diz 'tô
chegando!', em quanto tempo brrrrasileirrro chega?".

Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho.
Achei, porém, que em nome de nossa dignidade -ali, naquela mesa, eu era a
"pátria de ponteiros"- o melhor seria falar a verdade: "Fritz, é assim:
quando o brasileiro diz 'tô chegando!' é porque, na real, ele tá saindo".
Tentei atenuar o assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira,
afinal, ao pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada,
assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova. É só uma
questão de perspectiva.

"Mas e quando o pessoa diz 'tô saindo!'?" Expliquei que as declarações do
brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da
realidade -são uma manifestação do seu desejo. Se a pessoa diz que está
chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda
precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.

Fritz ficou pensativo. Uma morena entrou no bar e percebi certa
reverberação nos hormônios teutões. Era a chance de mudar de assunto, mas
eu havia sido mordido pela mosca da sinceridade e resolvi ir até o fim:
revelei que, além do "tô chegando!" e do "tô saindo!", ele teria de
aprender a lidar com "chego em 15!" e "cinco minutinhos!".

"Chego em 15!" é sinônimo de "tô chegando!": quer dizer que o patrício está
saindo. Quinze minutos é o tempo mágico que o brasileiro acredita gastar em
qualquer percurso -a despeito da experiência, da Sulamérica trânsito e do
Waze. Da Mooca pra USP? "Chego em 15!" De Santo Amaro pra Cantareira?
"Quinze!" Mais uma vez, não é propriamente mentira. Se pegássemos todos os
faróis abertos e todos os carros saíssem da nossa frente, em tese, vai
que...?

Já o "cinco minutinhos!" é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o
brasileiro está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes,
cinco minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora: há
casos, até, menos raros do que se imagina, em que a pessoa a cinco
minutinhos jamais aparece.

Fritz ficou olhando o chope, contemplativo, imaginando, talvez, na espuma
branca, a tomografia multicolor desses cérebros tropicais. Senti que, agora
sim, era o momento de mudar de assunto, de mostrar ressonâncias, digamos,
mais magnéticas do nosso país. Chamei o garçom. "Chefe, a gente pediu uma
feijoada, já faz um tempinho..." "Tá chegando, amigo, tá chegando!"

*:::*
*Niquele*

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